Terapia alemã oferece método inovador de reabilitação para detentos do sistema prisional do Paraná 05/03/2024 - 16:15

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com apoio do Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania de Ponta Grossa (Cejusc), em parceria com a Universidade de Constança, na Alemanha, propõe uma abordagem terapêutica inovadora para lidar com traumas vivenciados por indivíduos privados de liberdade, por meio da Terapia de Exposição Narrativa.

A ação de trazer a terapia ao Brasil focada no público carcerário é liderada pelas pesquisadoras Dra. Fernanda Serpeloni (professora visitante da Fiocruz), Dra. Anke Koebach (Pesquisadora da Universidade de Constança), Dra. Glaucia Mayara Niedermeyer Orth (pós-doutoranda em Saúde Pública pela Fiocruz), e pela Juíza de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ponta Grossa, Laryssa Angélica Copack Muniz. O principal objetivo é trazer esperança e transformação para aqueles que enfrentam traumas complexos atrás das grades.

Segundo a pesquisadora Glaucia Mayara Niedermeyer Orth, para que uma terapia tenha relevância científica, ela precisa ser testada em diferentes contextos, países e públicos. A Terapia de Exposição Narrativa já foi testada em vários países e diferentes contextos, inclusive em situações de guerra e conflitos civis, mas o público de pessoas privadas de liberdade será a primeira vez.  

“Quando iniciei meu pós-doutorado, descobri que a Terapia de Exposição Narrativa também pode ser muito eficaz para ofensores e não somente vítimas. Foi quando me dei conta desse universo que envolve uma saúde mental muito prejudicada de pessoas em privação de liberdade, e que essa condição contribuiu muito para que elas ocupassem esse espaço”, explica Glaucia.

PESQUISA – A Penitenciária Estadual de Ponta Grossa (PEPG) e a Unidade de Progressão de Ponta Grossa (UPPG) foram unidades que revelaram uma realidade que serviu de base para as pesquisadoras. Os dados coletados revelam que 75% dos apenados foram expostos a seis ou mais eventos traumáticos em suas vidas, enquanto mais de 58% apresentaram sintomas que indicam o diagnóstico provável de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).

Diante desse cenário alarmante, a pós-doutoranda Dra. Glaucia Mayara Niedermeyer Orth propõe a implementação da Terapia de Exposição Narrativa como uma técnica inovadora para promover a recuperação emocional e psicológica dos detentos. O tratamento desenvolvido por pesquisadores alemães na Universidade de Constança tem como base evidências científicas e visa abordar traumas múltiplos ao longo da vida, podendo ser aplicada em crianças, adolescentes e adultos.

A Juíza Laryssa Copack Muniz explica que essa e outras pesquisas da área demonstram uma alta relação entre criminalidade e experiências traumáticas, fazendo-se necessário uma mudança nas intervenções do público carcerário.

“O projeto traz uma ideia que vai revolucionar as intervenções feitas com as pessoas privadas de liberdade. O Estado terá que olhar para o trauma primeiro para depois tratar a criminalidade, porque as pesquisas mostram uma alta relação entre as duas coisas. A ideia é fazer as intervenções com base na Terapia de Exposição Narrativa e perceber o que isso vai proporcionar de melhoria para a qualidade de vida do indivíduo dentro do sistema, com foco na redução da agressividade e da reincidência criminal”, esclarece.

A Juíza ainda ressalta que para implementar o projeto piloto no Paraná o Judiciário e outros órgãos públicos trabalharão em conjunto com a Polícia Penal (PPPR), visando uma aplicação consciente, planejada e efetiva.

NA PRÁTICA – Em uma parceria estratégica, a Universidade de Constança, na Alemanha, se compromete a custear a capacitação de profissionais que aplicarão a terapia no Paraná. A ideia é formar multiplicadores que possam também repassar a instrução, trazendo sustentabilidade para a intervenção. A pesquisa visa encontrar profissionais qualificados para atuar como terapeutas, além de cobrir os custos associados a essa iniciativa transformadora.

O diretor-adjunto da Polícia Penal do Paraná (PPPR) compartilha que o projeto possui um custo para ser aplicado no sistema prisional, levando em consideração os honorários dos terapeutas.

“Todavia, como uma forma de viabilizar mais rapidamente o projeto, estamos com a proposta de capacitar servidores efetivos da Polícia Penal que tenham formação cabível para atuarem como terapeutas, além dos convidados necessários. Os servidores estariam exclusivos para a função enquanto durar o período de tratamento”, explica.

A previsão é de que o tratamento seja estruturado em aproximadamente um ano e meio, permitindo o tempo necessário para planejar cuidadosamente toda a dinâmica de aplicação. A iniciativa não apenas busca amenizar o sofrimento individual e até mesmo coletivo, mas também destaca a importância de abordagens inovadoras e baseadas em evidências para promover a transformação positiva no sistema penal brasileiro.

A Juíza de Direito da Vara de Execuções Penais de Curitiba, Carolina Maia Almeida ressalta que o Judiciário apoia a iniciativa: “Há um custo para a terapia ser aplicada e claro que vamos verificar a viabilidade dela poder ser custeada em parte pelo Conselho da Comunidade, que recebe fundos de prestações pecuniárias que podem ser revertidos em projetos de interesse público”.

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