Polícia Penal do Paraná promove a arte como ferramenta de tratamento penal e reintegração social 22/10/2024 - 09:33

No sábado (19), o auditório do Centro Cultural de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, foi palco de uma apresentação marcante durante a 17ª edição do Festival de Teatro de Pinhais. O evento contou com a participação do apenado Claudeir Fidélis, da Casa de Custódia de Maringá (CCM), que apresentou a peça “Fragmentos da Morte de Ivan Ilitch”, baseada na obra de Liev Tolstói. Essa iniciativa, aberta ao público, ressalta o crescente uso das artes como uma ferramenta para o tratamento penal e a reintegração social de pessoas privadas de liberdade no sistema penitenciário do Paraná.

Desde 2023, a Polícia Penal do Paraná (PPPR) tem desenvolvido iniciativas artísticas em sua Regional Administrativa na cidade de Maringá. O projeto de teatro nos presídios foi concebido em conformidade com as legislações vigentes que asseguram um tratamento penal humanizado. A PPPR tem promovido o acesso de pessoas privadas de liberdade a ações educativas, culturais e artísticas, visando sua preparação para a reinserção social após o cumprimento da pena.

“Promover a reintegração social vai muito além do cumprimento de penas, envolve proporcionar oportunidades reais de transformação. A arte surge como uma ferramenta essencial nesse processo, permitindo que as pessoas privadas de liberdade descubram novas formas de se expressar e enxergar possibilidades de mudança. Iniciativas como o teatro, especialmente com a participação em eventos públicos, mostram como essas ações têm o poder de resgatar a dignidade e renovar o olhar sobre o futuro”, afirma a diretora-geral da PPPR, Ananda Chalegre.

O projeto, que nasceu a partir do Programa de Remição pela Leitura, tem parceria com o Conselho da Comunidade de Execuções Penais e o Centro de Ação Cultural da Secretaria de Cultura de Maringá. O objetivo é desenvolver habilidades e técnicas artísticas e humanas por meio das grandes obras da literatura e do teatro, proporcionando um espaço de expressão e autodescoberta.

A recente criação de um termo de cooperação da Secretaria de Segurnaça Pública com interveniência da PPPR e Conselho da Comunidade de Maringá resultou na formação do Núcleo Cênico “Oficina das Artes”. Este programa tem como meta ampliar as oportunidades, com a previsão de iniciar uma nova turma de 15 apenados na Colônia Penal e Industrial de Maringá (CPIM) em janeiro de 2025. A oficina de teatro proporcionará um espaço valioso para o desenvolvimento de habilidades interpessoais, fundamentais para a reintegração social, além de servir como uma plataforma de expressão criativa.

A arte, nesse contexto, transcende o mero entretenimento, emergindo como uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento pessoal e emocional. Os apenados que participam das oficinas têm a oportunidade de refletir sobre suas vidas, expressar emoções reprimidas e, acima de tudo, reimaginar seu futuro. Através de poemas, canções, literatura e teatro, são incentivados a reescrever suas narrativas, promovendo um ambiente de esperança e transformação.

“Cabe destacar que durante o período em que as pessoas privadas cumprem suas penas, esse tempo não pode ser apenas de punição. É necessário oportunizar ações que levem à transformação. O teatro, por sua vez, desempenha talentos, criatividade, inspiração e imaginação, trazendo histórias e reflexões sobre a vida das personagens e de suas próprias histórias, apontando assim possibilidades de novos caminhos”, explica o diretor de tratamento penal da Polícia Penal do Paraná, Diego Piotrowski Machado. Ele acrescenta: “Quando as pessoas passam muito tempo na prisão, a arte ameniza os efeitos do confinamento e tem o potencial de proporcionar reflexões sobre seus atos e atitudes, oportunizando a libertação do seu velho ‘eu’, construindo um novo sujeito e trazendo dignidade, resgatando valores que possam acrescentar-lhes uma nova identidade sócio-cultural”.

O programa de Remição pela Leitura e Leitura Livre são responsáveis por diversas atividades a partir da leitura de obras da literatura, envolvendo pessoas privadas de liberdade. Essas ações são realizadas pelos profissionais da educação que atuam nos Centros Estaduais de Educação de Jovens e Adultos (Ceebja), responsáveis pela educação no sistema prisional.

Entre as atividades artísticas resultantes da leitura, podem ser elencadas: concursos literários e de desenhos; rodas de leitura e de conversa com produções textuais de diversos gêneros literários, como poesias, contos, crônicas, teatros, literatura de cordel, produção de romances, histórias em quadrinhos, livretos de poesias, peças de teatro (adaptações dos clássicos da literatura universal), confecções artísticas, canecas, bonecas bayomi, cartazes, folders, entre outras.

Mensalmente, mais de 4.500 custodiados participam do Programa de Remição pela Leitura e mais de 3.000 participam de leituras livres. Os projetos especiais de literatura, resultando em produções artísticas, têm contado com uma média de 700 pessoas privadas de liberdade que se inscrevem anualmente, voluntariamente, para participar no âmbito do sistema prisional do Paraná. Muitas obras são produzidas dentro do sistema penal, entre elas destacam-se: ‘Encarceradas - Quando a Estrela de Natal não Brilha’, livro elaborado na Cadeia Pública Feminina de Londrina; Antologia 2022 – Direito à Poesia, disponível nos formatos de e-book e livro físico; e ‘Entre as Grades e os Sonhos’, obra literária realizada pelo Ceebja Wilson Antônio Neduziak, de Cascavel.

Participação no 17º Festival de Teatro de Pinhais – A peça “Fragmentos da Morte de Ivan Ilitch” é baseada na obra do escritor russo Liev Nikolayevich Tolstói e apresentada pelo custodiado do sistema penitenciário do Paraná, Claudeir Fidélis, sob direção de Marco Antônio Garbellini e Adauto da Silva. Marco também é responsável pela trilha sonora, maquiagem e figurino, enquanto Adauto é responsável pela cenografia. Luiz Carlos Locatelli é responsável pela luz deste espetáculo teatral.

Esta participação não representa apenas uma conquista individual, mas também um avanço significativo na estratégia da Polícia Penal do Paraná em promover a reintegração por meio da arte. O evento demonstrou o potencial transformador da arte na vida dos apenados, que, ao se apresentarem, quebram estigmas e constroem novas identidades.

“O foco principal é colocar o apenado como protagonista desses projetos, como poemas, canções, literatura e arte. De alguma maneira, acreditamos que a arte, assim como o trabalho, o estudo e a religião, pode resgatar o que esses homens e mulheres têm de melhor. O objetivo é despertar aquilo que o outro tem de melhor. Sem isso, não faz sentido fazer arte”, afirma o diretor teatral, Marco Antônio Garbellini.

De acordo com o professor e diretor de teatro Adauto da Silva, que atua no sistema prisional do Paraná há 12 anos, são necessárias cerca de 300 horas de ensaios como preparação para um espetáculo como este, apresentado em Pinhais. “Quem está privado de liberdade tem bastante tempo para se dedicar aos ensaios e treinamentos. Isso é precioso para a preparação de uma apresentação teatral. Quando encontramos pessoas com talento e disposição para fazer um bom trabalho teatral, os resultados dão muito certo”, destaca.

“Me interessei pela história, li o livro em apenas 3 horas e me identifiquei demais, pois vi muito da minha própria história sendo contada naquele livro. Eu também estava naquela vida de correr atrás de status, dinheiro e poder, e assim fui parar dentro da penitenciária. Ivan Ilitch abandonou a família por causa do trabalho e eu acabei ficando cada vez mais longe da minha assim que parei no sistema prisional”, afirma Claudeir Fidélis.

Após a apresentação do monólogo, Marco, Adauto e Claudeir abriram um espaço para diálogo com o público presente, para debater questões voltadas ao conteúdo da peça.

No ano passado, a mesma equipe foi premiada com ‘Honra ao Mérito’ do 16º Festival de Teatro de Pinhais e também com o ‘Primeiro Mérito Cultural’, da Secretaria de Cultura de Maringá, com a apresentação da peça “Crime e Castigo”, baseada na obra do escritor russo Fiódor Dostoiévski.

No próximo dia 24, a peça “Fragmentos da Morte de Ivan Ilitch” será apresentada no Festival de Teatro de Campo Mourão, no Teatro Municipal, às 20h.

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