Com ator apenado, peça nascida na Colônia Penal é aplaudida no Teatro Barracão, em Maringá 06/06/2024 - 15:52
Um ano após arrancar aplausos em várias apresentações e até uma Menção Honrosa em um festival de teatro de âmbito estadual com uma montagem baseada em “Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiévski, o ator da peça, que está na situação de privação de liberdade, volta ao palco com novo monólogo, também baseado em um clássico da literatura russa: “A Morte de Ivan Ilitch”, de Leon Tolstoi.
O monólogo, que estreou nesta quarta-feira (5), no Teatro Barracão Paulo Mantovani, em Maringá, tem várias apresentações programadas para os próximos dias e não está descartada a participação em festivais de teatro no Paraná. Talvez a montagem não ganhasse tanta importância se o ator não estivesse cumprindo pena em uma penitenciária.
A montagem encenada pelo apenado é mais uma etapa de um projeto especial de leitura que a Polícia Penal do Paraná (PPPR), em parceria com sua Regional Administrativa em Maringá e a Colônia Penal Industrial de Maringá – Unidade de Progressão (CPIM-UP), propôs aos custodiados dentro do programa de remição pela leitura, que faz parte do trabalho de ressocialização de pessoas privadas de liberdade. O projeto especial, iniciado em fevereiro do ano passado, começou com a leitura de “Crime e Castigo”, em que o personagem principal vive situação bastante parecida com a de quem cumpre pena em penitenciárias.
Obra de 150 anos continua atual - A escolha por “A Morte de Ivan Ilitch” foi do próprio apenado, que leu a obra-prima de Tolstoi, que critica as convenções familistas e as aparências sociais, a superficialidade e a hipocrisia da alta sociedade, e considerou que ela fala do que ele gostaria de falar.
“Me identifiquei com este livro logo na primeira leitura, mas o li outras vezes e ainda procurei a análise de pessoas entendidas em literatura”, disse o homem que cumpre pena na CPIM-UP e que há um ano trocou a cela pelo palco do Teatro Barracão na montagem baseada em “Crime e Castigo”.
Embora “A morte de Ivan Ilitch” tenha sido escrita por volta de 1870, sua temática é bastante atual e o custodiado achou que o público se identificaria com a contemporaneidade do monólogo. “Tolstoi escreveu em terceira pessoa, mas passei a adaptação para primeira pessoa para falar mais diretamente ao público”, afirma.
Todo o trabalho de elaboração de texto, ensaios, cenografia, criação de figurino, trilha sonora e maquiagem ocorreu na Colônia Penal e o apenado contou com o mesmo time da montagem do ano passado: direção de Adauto Silva e Marco Antonio Garbellini, com apoio do Conselho da Comunidade de Execuções Penais, Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (Ceebja) Tomires Carvalho, da Vara de Execuções Penais, Ministério Público e da direção da CPIM-UP.
Arte como projeto de ressocialização - Pessoas que não têm relação direta com a Polícia Penal, também aderiram ao projeto como voluntárias, como é o caso do designer Lucas Nunes, que fez todo o trabalho de identificação visual, a pequena Laura, que emprestou sua voz como consciência do protagonista, interpretado por seu avô, e o servidor municipal Luiz Carlos Locatelli, que usou sua experiência na iluminação de espetáculos de teatro, dança e shows em geral, para criar e executar a iluminação do trabalho nascido em uma penitenciária.
“Toda pessoa que está no sistema prisional um dia vai sair, vai voltar à comunidade. A Polícia Penal do Paraná está empenhada para que, ao sair, o apenado seja muito melhor do que aquele que recebemos. Por isso, temos vários projetos para ressocialização e tratamento penal, que além de cumprir seu intuito legal, trazem relevância social e melhoram diretamente a vida das pessoas”, disse o diretor da CPIM-UP, Júlio César Vicente Franco. “A leitura de clássicos da literatura e criação de trabalhos a partir dessas leituras estão rendendo bons resultados, como é o caso dessa montagem teatral”, complementa.
O diretor da Regional Administrativa da PPPR em Maringá, João Victor Toshiaki Ferreira Fujimoto, também ressaltou a importância desse projeto. “Ver um apenado se destacar por meio da arte é uma prova de que a ressocialização é possível e eficaz. Projetos como este demonstram o potencial transformador da educação e da cultura, proporcionando novas oportunidades e caminhos para aqueles que buscam uma reintegração positiva na sociedade”, finaliza.